Eles olham para trás e lá estava eu, estranhando
minha própria sombra, por ainda achar que estava à noite e perguntam se estou
bem
- está tudo bem com você?
Eu digo que sim e ignoro seus olhares tortos e a
ajuda dos que considero mais amigos, em minha testa arde um arranhão e depois
de levantar percebi que meu olho esquerdo não estava aberto. Devia estar um
pouco bêbado. Eu ainda estava bêbado. Então o amigo mais próximo perguntam se ainda valia
a pena toda aquela dor. Já não sabia da dor que ele queria dizer, então forcei abrir
os olhos para poder olhá-lo e ofender de uma forma melhor que apenas um dedo. Eu
não me lembrava muito bem o que havia acontecido.
- você se meteu
em uma briga, estava com a mulher de um cara, três vezes do seu tamanho.
Eu gosto de brigar. Eu sei
lutar.
Bom sempre que acordava depois de uma briga, era isso
que eu tinha como certeza. Mas todos negavam. Todos incluindo meu rosto. Então
fui para casa. E no caminho as pessoas continuavam a me olhar. Uns tinham pena. Alguns
tinham nojo. Eu era só um rosto após um atropelamento. Nada demais. Nada mais
parecia estar no lugar que estavam ontem. Alcancei meu quarteirão e um homem
que por acaso me conhecia me ajudou a subir as escadas. Era meu vizinho. Era meu
vizinho da porta da frente, não era minha culpa, era culpa do olho fechado e do
caminhão com pernas que passou por cima dele.
- você foi atropelado?
Não fui
atropelado, fui atrás do que eu queria. Queria um pouco de uma nova dor. Nunca
tinha ficado com o olho daquela forma. Fui atrás e consegui o que eu queria. Já estava sozinho em meu apartamento. Eu
estava de frente ao espelho. Ali parado, com o olho no tamanho de uma bola de
basebol, consegui sorrir. Meus dentes estavam vermelhos e o gosto de sangue me
causava mau hálito. Tirei o sorriso do rosto, mas a imagem refletida continuava
sorrindo, como se o espelho tivesse tirado uma foto e moldurado em tamanho
real. Depois de alguns rápidos segundos a imagem refletida voltou a se
movimentar. Mas não me acompanhava e olhava pra frente como se eu não a
atrapalhasse. Uma janela. Então o meu reflexo se curva e aproxima o olho do
tamanho de uma bola de basebol, de mim e começa a arrancar a pele dele como uma espécie
de curativo, ele rir, como se fosse uma nova dor. Então começa a sangrar. Ele continua
tirando a pele. Até não haver mais nada. Ele para endireita a coluna. Agora a
imagem me acompanha no que eu faço. Então reparei que no lugar do olho do
reflexo havia um buraco que não parecia ter fim. Então me curvo. O reflexo
também se curva. Olho bem nos olhos então tudo ao redor de mim é sugado pelo
olhar do meu reflexo. O cenário muda consigo me ver no bar, tropeçando nos
outros com um copo de qualquer coisa na mão. Então agarro uma mulher e a beijo.
Ela parecia estar gostando, então aparece o caminhão humano. E me acerta alguns
socos. Eu sorria. Sorria de felicidade. Como se procurasse a dor. Como se
procurasse a fenda dos meus olhos. Cai desacordado. Ninguém me levanta. Então tento
me ajudar. Mas algo como um vidro me prende. Posso andar para os lados. Então
vou para direita. Passo por uma espécie de parede e logo depois pude ver o bar
novamente, na frente havia um espelho e eu me vejo nele. E me vejo em outro
espelho, e depois em uma parte laminada da porta. Estou preso em um espelho. Reparo
nos meus olhos e lá estava a venda. O caminhão me chuta enquanto estou
desacordado. Sinto a dor mesmo estando dentro de um espelho. Então fecho os
olhos e algo em meu peito queima e depois de alguns minutos ou horas. Sinto um
alivio enorme algo como colocar os pés na água do mar após percorrer alguns
longos metros de areia quente. Em mim prevalecia a vontade de sorrir. Tudo estava
preto demais. A dor era enorme. Eu sorria. Procurava uma dor diferente. Procurei
um fim.