Essa é a quinta parte de uma história que escrevo aqui faz um tempo, "Thomas e Ana", essa parte foi inspirada em uma música da banda Esteban do Rodrigo Tavares (Sinto muito Blues) espero que gostem
as outras partes estão aqui, seria legal ler para entender um pouco mais. Abraço
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Lembro-me de uma vez, quando eu era pequeno mais ou
menos cinco anos de idade. E eu estava visitando meus avôs, eles moravam em uma
cidade pequena e me lembro exatamente do encantamento que tive quando vi o
circo cruzando o portal da cidade, como se fosse um desfile norte americano do
dia 4 de julho. Eu estava sentado no banco da praça ao lado do meu avô e circo
chegou fazendo uma festa com fogos, cores, alguns animais bem treinados. Eu
corri para calçada e fiquei ali observando com um sorriso que não cabia em mim
e meu avô ficou um pouco atrás de mim também com um sorriso, mas só porque eu
sorria.
*
Depois de vinte anos estou eu, na velha e conhecida
mesa do bar. Eu não sei ao certo em que ponto eu me encontro. Posso ainda ser uma criança perdida ou a
espera de um desfile surpresa do circo ou uma espécie de velho chato tentando
viver suas histórias amargas como se os momentos felizes nunca tivessem
existido. Não sei ao certo o que ando vivendo ou se já vivi o que devia ter
vivido com ela. “Thomas aceita mais uma
saidera?” mais um dia de cartas incompletas, cartas sem fundamentos ou com
mensagens repetidas. Depois de seis meses tentando viver como se nada tivesse
acontecido, percebi que não dormia direito fazia um tempo. Na verdade ficava
acordado até praticamente desmaiar, isso explicava algumas situações estranhas
como acordar na mesa da cozinha, no chão do banheiro e uma vez na calçada do
prédio. Resolvi vender minha parte do bar e me mudar para outra cidade,
procurando me afastar do mundo que me lembrava da... Ana. Mais uma vez me
disseram que eu estava errado e que fugir não era a solução, como se as pessoas
pudessem aprender co os erros dos outros. Eu nunca me senti certo com essa
situação, mas também não tenho certeza em que ponto eu comecei a errar sobre
isso. Talvez tenha sido quando me conformei em esperá-la, ou quando dei a ela o
poder de escrever nosso destino, ela na merecia isso. É um castigo pesado
demais. Mas assumo ter sido egoísta, pois me dediquei a ficar perdido enquanto
deixei você escolher. Vaguei por algumas mesas, alguns abraços frios, diversos
rostos com sorrisos fáceis e beijos aconchegantes, mas nenhuma sensação que me
fizesse esquecer do seu amor por mais de uma noite.
“- Vitor! Você me
ligando a essa hora?
- faz tempo que
não sei de você meu amigo... Como está?
- melhor impossível.
- quase acreditei.
Já terminou o seu livro?
- está difícil Vitor,
nada nunca fica bom. São só cartas rasgadas.
- Não Thomas. É só
você, de novo, rasgando seu coração em frente a uma carta de amor. Tente se
permitir. É impossível que você não se canse de se manter longe de seu amor
próprio.
- preciso desligar
Vitor
- por quê?”
Desliguei o telefone, paguei a conta, precisava
escrever essa carta. Precisava me livrar de tudo isso, precisava crescer e me
amar um pouco mais. Comprei um maço de malboro
no posto perto da minha casa, quando cheguei ao caixa havia uma estante com CDS
e um era sobre “o melhor do blues”
juntei o cd na minha compra deixei dois reais na caixinha dos funcionários e
voltei ao carro. Dirigi por mais cinco minutos consegui uma vaga em frente ao
meu prédio. Subi as escadas e conseguia ouvir a vizinha portuguesa reclamando
com o marido “esse maluco deve estar bêbado
de novo, daqui a pouco vai por o rádio no último volume.”
*
Acendi um cigarro, liguei o
rádio com o novo CD tocando e fui para a maquina de escrever
*
“Não posso mais
ficar esperando o circo voltar, não posso voltar na mesma rodoviária esperando
te ver chegar com algumas malas e dizer que ainda me ama. Não posso viver na
esperança de ser sua história mal resolvida, enquanto as mentiras ficam pra
mim. Ou pros outros, acho que nem você sabe ao certo. Não sabe se uma aventura
lhe cabia tão bem, merdas acontecem. Me culpo
por muita coisa, eu lhe amei demais e me amei de menos. Isso não pesa pra mim,
mas põe um mundo em suas costas. Você não soube lidar. Não quis também. Agora
vario meus dias entre ser uma criança esperançosa e um velho amargurado. Talvez
eu deixe você escolher, enquanto me perco em mim, em meu confuso coração ou
nessa mania de fugir de nossas lembranças. Não sei mais se quero você aqui ao
meu lado como no meu mais antigo sonho. Ou se quero desistir de tudo, abandonar
o meu desejo mais tocante. Depois de dezenas cartas rasgadas, na mais nobre
companhia, mesa de bar. Me senti presos em padrões que não cabiam em mim “Não
fume, não beba, não viva” não poderia nem ao menos sonhar. Mas se você está
aqui depois que fecho os olhos e some ao amanhecer, estive sonhando ou foi só
mais um pesadelo. Talvez eu continue perdido. E diante dessa carta, há meu
coração partido. Pela última vez escrevo assim, por favor, “não chore, não ligue,
não volte, não ouse me amar.” Agora estou longe, e amanhã estarei um pouco
mais. Não sei se quero realmente me encontrar quem sabe de tanto andar e me
perder, eu te encontre por ai. Sinto muito não ter agido certo, sinto muito não
sorrir sempre, sinto muito desistir de esperar o circo voltar, sinto muito
fugir daqui, sinto muito por ter escolhido Ana, sinto muito coração, sinto
muito história, sinto muito blues.”
*
- Eu disse olha
essa música alta! Desliga Isso!
- cala boca velha!
- o que você
disse?
Deixei o
volume no máximo, fui para o carro tinha uma última carta para enviar e um
livro para escrever.