terça-feira, 8 de abril de 2014

6. Sobre Thomas e Ana



               
 




           Ana acostumou a nunca sumir de vez. Grande parte dessa mania dela era minha, é claro, mas ela tinha a necessidade. Tinha certeza que ela já não me amava como antes, mas ela não conseguiria viver com o fato de eu ter superado ou ido atrás de outra pessoa que pudesse me fazer feliz. Não me queria de volta, mas também não me queria distante o suficiente pra esquecê-la.
 − Hey Thomas, por onde anda? Estou com saudades!
− Estou dormindo, Ana.
− Mas já está tarde.
− Não tenho compromissos de manhã. Preciso desligar depois nos falamos.
− Eu te odeio Thomas. Você não era assim!
− Não sou mais idiota.
− Vou desligar, te ligo amanhã.
E ela me ligou no outro dia. Fui mais simpático. Era algo insano e não fazia bem nem pra ela e muito menos pra mim, mas eu já estava acostumado. Não conseguia enfrentar meus medos havia bastante tempo e com certeza seguir em frente e ‘’provavelmente’’ perde-la não fazia parte de um coração acomodado. Levantei da cama e havia sobrado um último cigarro do maço. Resolvi não fumar. A casa estava uma zona. O sol do céu nublado invadia a frestas das cortinas, revelando algumas roupas jogadas pelo chão, algumas garrafas, CDs e ingressos de shows. Preparei um café sem açúcar. Não por preferências, mas havia acabado o açúcar. Eu odiava café sem açúcar. Tentei trabalhar no romance que havia começado algumas semanas atrás. Sem muito sucesso. Falava sobre a Ana. Mas a mesmice perseguia cada verso meu. O telefone tocou mais uma vez.
− Thomas, o pessoal da banda chegou. Não era a Ana.
− Chris, você não tem a chave do bar?
− Sim, Sr. Thomas, mas eles estão perguntando sobre coisas que o senhor sabe que eu não entendo nada disso.
− Chris, pare de me chamar de senhor, sou mais novo que você! Sirva umas bebidas pra eles, eu chego ai em quinze minutos. Passei em uma cafeteria e comprei um café decente e comi qualquer coisa enquanto dirigia o velho carro do meu avô. O Chris parecia nervoso, quando cheguei e logo vi o porquê, nada ligava. Nenhum amplificador, nenhuma corda fazia barulho. Antes mesmo de cumprimentar qualquer um dos músicos, fui mexendo nos cabos, tomadas e nada. Então chamei o Chris atrás do balcão.
− Você conferiu o disjuntor?
− Eu disse que não conhecia muito bem dessas coisas Senh... Quer dizer Thomas.
*
                 Em uma hora e meia, os músicos haviam terminado de fazer a passagem de som e consumiram muito mais do que eu havia oferecido de inicio como parte do cachê.
− Thomas, você tem cara de músico quer arriscar alguma coisa?
− Quem sabe mais tarde.
                Com tudo certo no bar, resolvi voltar pra casa. Tinha em mente arrumá-la ou algo do tipo. Cheguei em casa decidido e depois de tanta bagunça retirada, estava exausto. A ressaca havia batido. Tomei um curto banho e apaguei na cama.
                No sonho era tudo muito confuso e ao mesmo tempo intenso. Muita música, muita gente, muito sorrisos. Eu andava em um labirinto dentro de uma enorme festa, onde toda cor reluzia e nada parecia fazer sentido. Às vezes jurava que via um cachorro falando, outra hora pessoas atravessavam paredes. Era como sonhar com um efeito alucinógeno de uma droga qualquer. Então, eu ouvia alguns acordes de um violão e o som cortava todas as confusões, o barulho ia diminuindo e o som do violão ia se destacando. Eu podia ver uma banda tocando e então uma menina em frente ao palco. Ela sorria singularmente e ao redor dela havia algo diferente, era como se a paz ou a esperança a cercasse. Ela era baixinha, cabelo liso loiro, usava um batom vermelho, uma blusa um pouco larga com uma estampa de uma caveira pirata, uma calça jeans comum e cantava fielmente a letra junto com a banda.
Eu despertei no exato momento em que ela olharia pra trás e veria seu rosto. Clichê. Clássico de todo sonho. Nada de momentos épicos como enfrentar a própria morte. Sempre se acorda no exato momento que se morre. Nunca saberei se é algo bom ou não. Parti para o bar. Havia uma fila boa lá fora. Chris me viu entrando e parecia agradecer a Deus por isso. Ele não estava em um bom dia. Fui para de trás do balcão e comecei a trabalhar. Depois de muito tempo com um bar aberto, você começa a fazer algumas amizades. Muito pelo interesse de manter clientes, e da parte deles, quem sabe, ganhar uma rodada de graça. O bar estava quase lotado. Convoquei a banda para tocar. Eles estavam animados, não era uma grande banda, se chamavam “Brazilian English”. Não era nome de banda que faria sucesso, mas estavam empolgados e isso que realmente importava pra mim. Eles prometeram um show de uma hora e meia, tinha que ser algo bom. Durante essa uma hora e meia, eu investi em beber, já que o gerente noturno havia chegado e podia me aliviar um pouco. A banda era boa, tocava algumas músicas do The Strokes, Beatles, Arctic Monkeys e algumas de autoria da própria banda. Brazilians English. Que era o ponto fraco do show. Quando o show alcançou seus quarenta, cinqüenta minutos eles investiram em algumas músicas mais calmas. “Champagne Supernova” do Oasis e então me chamaram.
− Nosso querido amigo Thomas nos prometeu uma canção. Por favor, suba ao palco.
                Podia ouvir os gritos, as pessoas não esperavam tanto quanto eu, mas eu subi.
− Queria agradecer a todos que vieram, aos meninos do Brazilians English, depois vamos conversar sobre esse nome... Enfim vamos tentar algo por aqui.
Pedi para que tocassem Yellow, do Coldplay. Por sorte ou azar, eles sabiam.
                Comecei a cantar, era um total desastre, estava bêbado, com uma voz rouca. Alguns aplaudiam, alguns sorriam e meus olhos se mantinham fechados e me sentia um cantor naquele momento.  O mundo era meu, o palco era meu. Eu estava feliz. Então os sons sumiram, eu só ouvia o violão, os acordes abafando todo o redor, não sei exatamente se eu parei de cantar ou não podia me ouvir. Então abri os olhos e ela estava lá. Loira, baixinha, com sua blusa branca e calça jeans. Ela cantava a música com o sorriso reservado aos cantos da boca. Eu larguei o microfone, comecei a abandonar o palco e fui me aproximando, ela mantia os olhos ligados aos meus e cantava a música. Quando estava a um metro dela, ela olhou para trás. Quando olhei, Ana estava ali parada exatamente onde eu estava nos meus sonhos. E então, ela olhou para mim de volta.
− Olá, eu sou o Thomas. E eu acho que você percebeu que  não sou cantor.
− Eu sou a Marcelle, uma “quase grande fã”.
− Você é um sonho.
                Eu a beijei e agradeci aos céus por ter arrumado o meu apartamento.