Eu ainda estava de olhos
fechados quando ela desenrolou suas pernas das minhas, tentou não fazer muito
barulho ao se levantar. Abri os olhos brevemente para espia-la, ela jogou os
cabelos para trás e eles alcançavam as covinhas que ela tinha no fim das
costas. A cortina se mexeu com o vento e quando ele a alcançou, ela se arrepiou
antes de chegar ao banheiro. Eu juro, aquele momento, aquele desfile, podia ser
eterno eu não ligaria de viver para sempre uma manhã com ela.
*
Ela me ligou na noite anterior era por volta de duas da
madrugada havia loucura em sua voz, ela já não entendia muito bem o porquê de
certas coisas estavam acontecendo. Como já não amava só o seu marido, como já
não queria ficar na mesma casa de sempre, como queria sair esquecer tudo e
viajar o mundo. Ela tinha tudo para mudar, crescer, talvez se encontrar como
sempre quis, mas o medo parecia estar preso a ela, amarrado em seu pé através
de uma corrente e pesando uma tonelada. Quando a encontrei, ela não conseguia
olhar nos meus olhos só acendeu um cigarro e me deu as direções de onde ela
precisava ir. Conectou o celular dela ao carro e colocou uma daquelas músicas horríveis
que ela tanto adorava.
- Eu preciso sumir.
- podemos fazer isso, mas preciso colocar
mais gasolina.
- você sabe que não poderia ir comigo, não
é tão simples.
Ela tinha essa mania, se refugiava em mim, mas não dava brecha
para eu me entregar. Mas já era tarde demais. Eu me perdia naqueles olhos que
não carregam uma promessa de futuro, mas me faziam querer tudo ao lado dela. Chegamos
aonde ela queria ir era uma mureta ao lado de uma praia, já era tarde e não
havia ninguém. Era perfeito.
- o que você sente
quando pensa em mim?
- eu me sinto com mais
coragem, mais vontade das minhas loucuras. Odeio essas perguntas.
- então me dê essa
chance.
- não posso seria
sacanagem com ele.
- mas foi ele que te
abandonou mais uma vez a essa hora.
Ela segurou minha mão e olhou nos meus olhos, eles diziam “não
faça isso”, mas ela se aproximava e se aproximava mais e então já não ouvia
mais o que seus olhos diziam e me beijou. Era como a primeira vez de novo, frio
na barriga, redenção, algo assim... Não havia ao certo como definir.
- E você o que sente ao
pensar em mim?
Eu sorri, voltei para o carro sem respondê-la.
- eu te odeio, vamos
embora logo.
Ela
odiou a música que escolhi, mas não mudou, encostou a cabeça em meu ombro e pôs
a mão em minha coxa, não disse nenhuma palavra até chegarmos a minha casa. Quando
entramos ela foi direto para meu quarto e na pressa de uma possível loucura me
arrastou pelo braço e dali não pude sair.
*
Ela saiu do banho, estava secando cabelo e olhava pra mim.
Pendurou a toalha na janela. Ficou parada no pé da cama e me olhou durante
alguns segundos, acendeu um cigarro, segurou meu pé e segui em direção a porta.
- eu sinto que tudo sempre
pode melhorar.
- você está acordado? E
do que você está falando?
- o que eu sinto
quando penso em você... eu penso que tudo pode melhorar, sempre. Não podia
deixar você ir embora sem te falar isso.
- eu não vou embora,
vou só fazer um café.
Ela saiu sorrindo e sumiu pela porta e eu estava rendido jogado
na cama, refém do meu próprio porto seguro, afogado nela que veio do mar e
feliz em não saber o meu destino.