Estava na minha cama há mais ou menos duas horas,
rolando de um lado para outro, sem nenhum peso nos olhos, mas talvez carregando
um mundo nas costas. As dividas, os planos, os fracassos, as merdas... tudo
isso me deixava ansioso demais para ter
um momento para relaxar. Dormir parecia um capricho que eu não poderia me dar
ao luxo. Depois de me concentrar no barulho do ventilador e entrar em uma
espécie de transe, me coloquei de pé e fui até a cozinha pegar um copo d’água. Abri
a geladeira e a falta de dinheiro estava clara, além de meia garrafa d’água,
havia um tomate, uns dois pedaços de pizza e algo que eu não conseguia
identificar. A casa não é muito grande, um quarto, uma cozinha, um banheiro e
uma sala quase do tamanho do banheiro. Estava na metade do copo olhando pro
nada, sofrendo com as consequências da insônia, ouvi o barulho da janela do meu
quarto abrindo e logo depois um barulho como se fosse alguém caindo, depois um
silêncio. Fiquei parado na cozinha esperando, que o provável invasor, viesse ao
meu encontro ou viesse me matar de raiva, porque eu não tinha nem quinze reais
na carteira. E não havia nada de muito valor. Fiquei uns quinze minutos parados
ali, esperando, suando frio, tentando não respirar ou parecer desesperado. Até
que me cansei, peguei uma daquelas facas de filme de terror e tentei andar sem
fazer barulho, da cozinha até o quarto tentando surpreender o desgraçado que
invadiu a minha casa. Fui andando e pensando em dezessete formas de mata-lo,
nenhuma me convenceu ser segura. Enfim caminhei e quando chegou a hora de agir,
eu tremia e já estava arrependido, nunca fui bom nas brigas, não fugia delas,
mas nem sempre saia como vencedor.
Fortaleci o punho, segurei mais firme a faca abri a
porta e fui ao ataque. Ele parecia estar dormindo, mas no momento que a faca
estava próxima ele estendeu as duas mãos, e evitou o meu ataque, disputamos por
um tempo até que ele conseguiu empurrar meus braços para o lado e em seguida
acertou uma cotovelada, eu cai no chão e senti que meu supercílio estava
cortado e a imagem estava desfocada, ouvi o barulho da faca caindo ao chão. E
ele me segurou pela gola da camisa e então a minha visão voltou a ter foco.
- Não acreditei quando me disseram que você parecia
comigo. A voz dele era muito familiar.
- mas quem diabo é você? Eu ainda estava tonto e o
sangue corria em meu rosto.
- isso não importa agora. A voz dele era idêntica a
minha.
- como não importa?! Você invadiu minha casa, cortou
o meu rosto e... e,Você é idêntico a mim ou a cotovelada foi bem mais forte do
que pareceu?!
- já
me falaram isso...
-quem
te falou isso?
- um
amigo meu, quando perguntei sobre você...
-de
onde você me conhece?
-
isso não importa agora, o importante é... eu sei que você precisa de dinheiro e
tenho uma proposta para lhe fazer.
- se importa de propor
enquanto eu faço meu curativo? Acho que já perdi sangue demais.
- tudo bem. Caminhei até o banheiro, minha camisa
estava em sua maioria manchada de vermelho, tirei a camisa lavei o rosto e
coloquei alguns curativos na testa.
- continue... quero ouvir essa proposta que pode me
salvar financeiramente.
- bom... antes de chegar na sua casa, eu assaltei uma
casa... mas o serviço não ficou completo, o dono da casa me desarmou, não
consegui mata-lo e agora eu preciso voltar lá e finalizar o serviço, antes que
o chefe me mate pelo meu erro.
- HAHAHA, você quer ir agora ou pode ser amanhã?
-tem que ser hoje, amanhã é tarde demais...
- eu estava sendo irônico, não farei nada disso...
- tem algo para beber nesse armário aqui?
- tem uma garrafa de vinho, eu acho... você me ouviu?
Não vou poder te ajudar, desculpa.
- precisava de um copo de vinho... eu acho melhor
você me ajudar..
- mas por quê? Olha... eu nem sei seu nome, de onde
veio e porque se parece tanto comigo. Naquele momento eu já estava convencido
que ele era idêntico a mim, talvez com algumas cicatrizes a mais no rosto.
- eu me chamo Miguel. Enfim, quero que saiba que eu
não tinha outra saída... eu uso seus documentos na hora dos meus ‘serviços’, e
na confusão meus... Quer dizer, os seus documentos caíram e estão em algum
lugar daquela casa, por isso temos que ir até lá..
- você ficou maluco? Você pode ter acabado com minha
vida...
- Que vida que você tem aqui João? Uma merda de casa,
nada na geladeira, fedendo a ontem, você tem emprego? Você tem alguma
esperança?
- vá à merda Miguel! Eu estava morrendo de raiva, mas
ele estava certo. Dinheiro era pouco, vivia sem esperança de melhoras, vivia
enforcado por uma preguiça constante e o desgosto da vida era enorme.
- então como faremos?
- precisamos de uma arma...
- eu não... quer dizer tenho uma aqui guardada há
muito tempo. Peguei o revolver que estava escondido em baixo do sofá, dentro de
um buraco que fiz, havia mais alguma munição e entreguei pra ele.
- essa serve, eu fico com a arma e você leva a sua
querida faca. Me fiz de compreendido e o segui. Na rua seguinte ele roubou um
carro, uma caminhonete não tão nova, mas veloz o suficiente para entrar e sair
da cena de um crime sem ser preso. Chegamos em uma casa bonita, a duas de uma
praia suja, mas com a vista bonita o suficiente para valorizar a casa e
torna-la cara, não chegava a ser uma mansão, mas era milhões de vezes melhor
que o barraco aonde eu vivia. Ele parou o carro, apagou os faróis e ficamos ali
observando a casa, havia certo movimento e algumas sombras passando pela janela
iluminada da sala. Quando os números de sombras diminuíram, ele abriu a porta e
me mandou acompanha-lo.
- Você tem algum plano? Eu suava absurdamente.
- só me siga e me obedeça. Parecia a coisa certa a
ser feita. Ele foi caminhando devagar pela lateral da casa, procurando uma
janela aberta, eu ia logo atrás segurando a faca de cozinha, sabendo que ia dar
merda. Até que ele parou e segurou a arma, abriu a janela e mandou entrar logo
em seguida. Não demorou muito para nos descobrirem. Havia uma mulher, loira bem
vestida combinava com a casa, ela gritou assim que nos viu.
-SEGURE ELA! Ele mirou a arma na cabeça da mulher e
ela trocou os gritos por lágrimas e pedidos de misericórdia.
- calma, não precisa mata-la eu seguro ela. Agarrei o
braço da mulher.
- ponha a faca no pescoço dela, seu idiota! Ele
parecia estar muito nervoso. Logo em seguida apareceu um homem, com a barba bem
tratada, cabelo baixo, aparentava ser bem sucedido, mesmo depois da primeira
tentativa de assalto. Ele era grande e portava uma arma, provavelmente a que
era do Miguel.
- largue ela... Como assim?! Há dois de você agora?
- SOLTA A ARMA E PASSE O DINHEIRO QUE EU JÁ HAVIA
PEDIDO, E SE TENTAR ALGO DE NOVO EU JURO QUE SUA MULHER PERDE A CABEÇA E VOCÊ
NUNCA MAIS PODERÁ TER FILHOS.
- tudo bem, mas não a machuque. Ele largou a arma e
pegou o dinheiro no cofre escondido atrás de um quadro estranho, que misturava
sorriso e seios femininos. E mulher não parou de chorar um só segundo desde que
virou refém, meu coração revezava entre os sentimentos de culpa e satisfação,
sim, toda aquela situação havia me deixado feliz. Feliz por fugir de toda
rotina, de encontrar uma adrenalina enorme em uma situação tão ruim.
- Aqui está seu dinheiro, agora largue ela.
- tudo bem eu...
- não ninguém vai largar ninguém! O Miguel me
interrompeu e em seus olhos havia uma raiva quase contagiosa.
- o que você quer dizer? O homem parecia está sem
muita paciência e perdendo o medo da arma que estava apontada pra sua cara.
- você me humilhou mais cedo, agora quero que tire a
roupa e depois ficará me olhando enquanto fico com sua linda mulher.
- O QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO MIGUEL? JÁ TEMOS O DINHEIRO
VAMOS EMBORA...
- NÃO SE META, ESSE BABACA BATEU EM QUEM NÃO DEVIA. E
foi nesse exato momento de distração, que o homem contragolpeou e conseguiu
desarmar o Miguel, a arma rolou para o lado e os dois ficaram trocando socos no
chão, a mulher não parava de gritar e meu coração batia tão forte e
aceleradamente, que eu juro que eu só podia ouvi-lo e nada mais.
-João, mate-a!
- mas eu não posso fazer isso. Por um momento, o homem
hesitou e olhou para mim.
- largue ele! ou eu a mato... Tentei parecer convincente
- a quem você quer enganar? Você não teria coragem...
- você vai pagar pra ver? Ele apertou ainda mais o
pescoço do Miguel. Você sabe quem eu sou?
- só mais um babaca, perdedor, um imbec... Ele não
conseguiu terminar de falar, deve ser difícil terminar de completar um
raciocínio vendo sua mulher com um pescoço pela metade.
- agora se você não quiser acompanhar a sua querida
esposa, você vai soltar o Miguel pôr as mãos na cabeça e ficar sentado ai.
- hahaha, mandou muito bem João, mas pode deixar esse
comigo. Miguel pegou a arma e se preparou.
- Eu salvei sua vida Miguel eu mereço esse presente,
me deixa experimentar o poder de uma arma.
- Hoje a noite é sua, João! Tome, mate esse otário.
Não hesitei e dei dois tiros um no peito e o outro não tenho certeza se
acertei.
- hahaha, isso é realmente melhor do que ficar em
casa morrendo aos poucos.
-eu sei, agora me dê essa arma e vamos embora daqui.
- tenho uma ideia melhor Miguel, você vai procurar
meus documentos agora...
- Calma ai amigo eles estão aqui.
- eles estavam no seu bolso o tempo inteiro??
- Desculpa João, mas não sabia como te convencer a
isso, fiz o que foi preciso.
- vá a merda seu... cadê minha parte do dinheiro?
- aqui, toma...
- 500 reias, você está de brincadeira? quer saber?? Quero todo o dinheiro! Vamos pode
passar...
- Você está ficando maluco? Se acalme João..
- Você vai passar o dinheiro ou vou precisar dar dois
tiros em você?
- aqui tome esse dinheiro... você é um idiota João,
eu que te chamei pra isso, você não devia fazer isso comigo. O celular do Miguel
começou a tocar.
- Me passe seu celular.
- mas qual a necessidade disso?
-só me passe o celular. Atendi o celular dele.
-Miguel, é o chefe... já resolveu o
problema?
- sim senhor, o
problema foi resolvido
- Mas que merda
Miguel, eu quero que você melhore nisso, sabe o quanto gosto de você, mas pare
de fazer merda.
- Pode deixar
chefe, sinto que melhorei bastante, serei um novo cara. Um trabalhador mais
dedicado...
- HAHAHA vai
dormir e amanhã traga minha parte.
- Que merda é essa João?
- Eu não sou o João, me chame de Miguel. Logo depois
atirei e só parei quando as balas acabaram, troquei nossos documentos e fui
para o carro, sai com o carro e fui para um hotel barato, a minha vida havia
mudado por completo e com certeza pra pior, mas eu me sentia melhor, bem melhor.
Me deitei na cama e fiquei ali olhando para o teto pensando em tudo que havia
acontecido.
- senhor Miguel, é o serviço de quarto.
- Um minuto eu já vou...
- droga, eu odeio esse nome.