domingo, 19 de agosto de 2012

4. Merda ( Ana e Thomas)



Antes de ler esse tenha certeza se já leu as primeiras partes,1. / 2. / 3.
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4. Merda ( Ana e Thomas)

              
               Era um dia frio, pelo menos para mim, qualquer temperatura abaixo de 25º graus já considerava um dia frio. Coisas de carioca. Mesmo assim o sol brilhava e de vez em quando se escondia atrás de algumas nuvens, os meus olhos lutavam contra a necessidade de acordar, mas nem mesmo eles e o sono que os dominavam puderam resistir a aquela imagem. Ela vestia o meu casaco e ele se estendia até a metade de suas coxas, revelando somente metade de um rosto feminino tatuado em sua coxa. Ela se apoiava no portal da entrada, com os óculos de armação preta e segurava uma caneca de café próxima a sua boca. E antes de beber, sorriu. Ao me ver confuso, sem saber direito se ainda estava sonhando, ou havia voltado a ter sorte na vida. Ela caminhou em minha direção, com toda calma, e quando passou em frente a janela o sol pareceu completa-la, como um detalhe a mais. Uma obra prima, Deus sabia que havia feito algo muito belo e talvez com uma dose de ironia divina ela estava comigo.
                - vai acabar se atrasando no primeiro dia de trabalho.
                -é difícil se render e sair de um sonho desses.
                - depois de cinco meses nesse quarto é melhor alguém fazer algo.
                - mas eu só trabalho seis horas
                - são cinco da tarde Thomas.
                - preciso de um beijo seu...
                - você precisa de uma escova de dente. Ela sorriu e me beijou.
                Me levantei e fui tomar um banho, e como toda pessoa, o banho servia como um momento de reflexão, pensamentos e a vida precisava ser avaliada. Cinco meses atrás a Ana havia voltado e minha vida mudou de depressivas ressacas e cartas solitárias, para alguns sóbrios sorrisos e poesias completas. Não queríamos saber dos outros, apenas momentos pessoais, algumas horas na praia e saídas com amigos próximos. Mas ela não estava lá por completo tinha algo no seu olhar. Uma preocupação, um peso. Era como uma bomba pronta para explodir, e eu não sabia se queria adiar cada vez essa explosão, ou se devia tentar descobrir o que havia por trás daquele olhar. Mas depois de tantas noites boas eu não sabia mesmo para que caminho deveria seguir, além do mais os arranhões nas minhas costelas não combinavam com o banho quente. Terminei o banho e havia algo escrito no espelho embaçado “ao meu poeta, meu eterno amor.” Acredite, é mais fácil escovar os dentes com um sorriso que não sai do seu rosto. Quando sai, Ana tinha saído. Ela tinha deixado uma caneca de café com um recado na mesa “te encontro no bar mais tarde.” Eu ia começar a trabalhar no bar que tanto frequentei, na verdade comprei uma parte do bar, então era uma espécie de sócio e sempre quis ter um bar. Sonho de adolescente.  O bar não ficou lotado, alguns velhos amargurados e uns caras comemorando uma promoção de um amigo em comum. no primeiro dia tive sorte, os caras ficaram bêbados demais e mexeram com a mulher de um cara, ele não gostou muito e foi brigar com os caras, deixei o primeiro soco acontecer e depois fui separar. Obvio que expulsei o cara e a mulher. Não estavam consumindo muito. Mesmo assim a minha cabeça, não parava de pensar naquele olhar confuso, na saída sem falar nada, que não era a primeira vez que aquilo havia acontecido.
                - Uma dose de vodca com energético, por favor...
                - Estamos fechando moça...
                - eu preciso não dormir essa noite.
                - talvez eu sirva a sua bebida, me conte porque não vai dormir...
                - preciso de um poeta inspirado amanhã de manhã. Servi duas doses, uma era pra mim.
                - Ana, aonde você foi hoje?
                - Fui resolver uns problemas, quer saber te encontro em casa Thomas.
                Ela fugiu de novo do assunto. Ela não queria discutir. Fugir era a solução pra ela e pra mim havia se tornado uma grande merda. Bebi mais umas algumas doses antes de ir para casa, caminhei até em casa, ficava a dois quarteirões dali, deu tempo de fumar o último cigarro do maço. Como passei em frente a um pequeno mercado decidi comprar mais um maço e algumas cervejas. Estava pensativo o suficiente para não reparar no cara estranho que estava andando pelo mercado em direção ao caixa, quando eu percebi estava passando por ele, e ele sem nada para comprar fingia pegar algum dinheiro no bolso. Quando chegou ao caixa puxou uma arma da parte de trás da cintura, não era grande coisa e ele parecia nervoso demais com a situação.  Me escondi atrás das estantes de bebidas, só para evitar uma bala indesejada na cabeça.
                - não tente nenhuma gracinha e me passe o dinheiro. Apontando a arma na cara de um velho que devia ter a idade do avô dele. Essas pessoas mostram o quão merda uma pessoa pode ser.
                - não tenho muito rapaz.
                - não te perguntei merda nenhuma, quero todo dinheiro.
                - 75 reais?! VOCÊ ESTÁ DE SACANAGEM?!?
                - eu disse que não tinha muito.
                - seu velho de merda. Ele deu um tapa na cara do velho e saiu pela porta e foi correndo. O velho não reagiu e recolheu algumas coisas que caíram no chão, sem maiores preocupações ou dramas.
                - o senhor está bem?
                - foi só um tapa e 70 reais, já tive dias piores.
                - ligue pra policia, ou uma ambulância. Algo assim.
                - foi só uma merda de dia filho... merdas acontecem.
                - é... Merdas acontecem. Aqui seu dinheiro, um maço e seis dessa aqui.
                - alguém tem que ter um dia de sorte, pode levar de graça.
                - então é seu dia senhor. Deixei oitenta reais e fui embora, os caras da comemoração foram gentis na gorjeta ou estavam bêbados demais. Andei metade do quarteirão e cheguei em casa, fui pelas escadas, não queria chegar em casa. Sou um baita de um medroso. Entrei na casa e a Ana estava no sofá, vendo um filme qualquer e sorriu com a boca, mas não com os olhos. E imediatamente um frio dominou o meu estomago.
                - eu preciso falar com você Ana.
                - amanhã de manhã conversamos. Ela se levantou e chegou perto de mim, beijando meu pescoço. Eu não pude evitar, era ela, era a Ana. Então a beijei e beijei e nos abraçamos e não podia haver mais amor, em um raio de dezessetes milhões de quilômetros. E mais arranhões, sorrisos, tragos e copos d’água. Cai no sono e sonhei. Sonhei que caminhava ao lado da Ana e subíamos uma escada no meio de uma mata, estava meio sombrio e o entardecer estava um pouco azulado por causa do clima nublado. Talvez fosse uma espécie de efeito do sonho, estava azul demais. No fundo tocava uma música e subíamos no ritmo da música e nos últimos degraus eu sentia que a música estava acabando, quando chegávamos ao topo da subida, a música acabada e nós podíamos ver quase todo o Rio de Janeiro, e eu pensava o quanto aquilo era real, o vento, o clima úmido, o cansaço da subida e o perfume dela. De repente eu escorregava em uma pedra ou algo assim, e o cenário mudava eu estava em cima de um telhado a noite e com uma chuva caindo com toda força. Eu tentava me segurar nas telhas e o Vitor gritava pelo meu nome, então caia e acordei na minha cama gritando por socorro. Eu odeio esses tipos de sonhos, não sei aonde realmente estou, qual foi a parte real, acordar de dois sonhos diferentes, me faz pensar o pesadelo que se pode viver. É uma situação estranha, mas eu sou bastante estranho. Percebi que a cama estava vazia, esfreguei os olhos e corri os olhos para o portal. Ela não estava lá. Então ouvi passos se precipitando, mas logo continuaram os seus passos, a porta se fechando. Por impulso levantei correndo e fui para a cozinha. Tinha uma caneca de café com uma carta embaixo. “Thomas me desculpe, mas...” não quis terminar de ler peguei a chave do carro e sai. A vi entrando em um taxi, liguei meu carro e com certo esforço alcancei o taxi dela. Já esperava aonde ele ia parar, era a mesma rodoviária, era o mesmo pesadelos de um tempo atrás, era o cair do telhado. Parei atrás do taxi e gritei pelo nome dela assim que ela saiu do taxi.
                - por que Ana? Por que sem me avisar?
                - eu não consigo Thomas, eu te amo, mas...
                - mas o que Ana?! se você me ama fique aqui, comigo.
                - Você está de samba-canção? Enfim... Não, é simples Thomas eu tenho outra pessoa e estava bem com ele, mas fugi porque só pensava em você ...
                - e agora vai fugir de mim, quando vai parar de fugir Ana? Por que vai fugir?
                - não sei Thomas, não sei sobre medos, amor, nada sobre a vida. Eu só levo, um dia me sentirei segura o suficiente...
                - se for Ana... por favor não volte...
                - temos um destino infinito. Juntos Thomas, traçado há cinco anos e mil sorrisos atrás... só não é agora, um dia ficaremos juntos, mas sinto que tenho algo pra viver, além de nós.
                - não sabia que era poeta agora.
                - frieza não combina com você. Não respondi, não sabia o que dizer, não tinha um porque para dizer. Ela me abraçou.
                - até mais meu poeta.
                 Prendi meu choro, entrei no carro, acendi um cigarro e transformei em fumaça qualquer sentimento. Fiquei ali parado com uma blusa amarrotada, uma samba-canção e um par de sapatos, sem poder ligar o carro. A tristeza de não ter um bom destino. Depois de um tempo fui para casa, peguei a carta joguei dentro da privada e dei uma boa mijada em cima dela, dei descarga e fui para a sala, me sentei no sofá liguei a televisão. Estava passando um filme de ação, um daqueles sangrentos.
                - por favor, não me mate!
                - você não me deu escolha.
                - eu tenho família, não faça isso com eles...
                - eu simplesmente não ligo...
                Então o cara deu uns cinco ou seis tiros no outro.
                - pois é amigo, merdas acontecem. Dei um bom gole no café.

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