segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A minha morte


                Estava na minha cama há mais ou menos duas horas, rolando de um lado para outro, sem nenhum peso nos olhos, mas talvez carregando um mundo nas costas. As dividas, os planos, os fracassos, as merdas... tudo isso me deixava  ansioso demais para ter um momento para relaxar. Dormir parecia um capricho que eu não poderia me dar ao luxo. Depois de me concentrar no barulho do ventilador e entrar em uma espécie de transe, me coloquei de pé e fui até a cozinha pegar um copo d’água. Abri a geladeira e a falta de dinheiro estava clara, além de meia garrafa d’água, havia um tomate, uns dois pedaços de pizza e algo que eu não conseguia identificar. A casa não é muito grande, um quarto, uma cozinha, um banheiro e uma sala quase do tamanho do banheiro. Estava na metade do copo olhando pro nada, sofrendo com as consequências da insônia, ouvi o barulho da janela do meu quarto abrindo e logo depois um barulho como se fosse alguém caindo, depois um silêncio. Fiquei parado na cozinha esperando, que o provável invasor, viesse ao meu encontro ou viesse me matar de raiva, porque eu não tinha nem quinze reais na carteira. E não havia nada de muito valor. Fiquei uns quinze minutos parados ali, esperando, suando frio, tentando não respirar ou parecer desesperado. Até que me cansei, peguei uma daquelas facas de filme de terror e tentei andar sem fazer barulho, da cozinha até o quarto tentando surpreender o desgraçado que invadiu a minha casa. Fui andando e pensando em dezessete formas de mata-lo, nenhuma me convenceu ser segura. Enfim caminhei e quando chegou a hora de agir, eu tremia e já estava arrependido, nunca fui bom nas brigas, não fugia delas, mas nem sempre saia como vencedor.
                Fortaleci o punho, segurei mais firme a faca abri a porta e fui ao ataque. Ele parecia estar dormindo, mas no momento que a faca estava próxima ele estendeu as duas mãos, e evitou o meu ataque, disputamos por um tempo até que ele conseguiu empurrar meus braços para o lado e em seguida acertou uma cotovelada, eu cai no chão e senti que meu supercílio estava cortado e a imagem estava desfocada, ouvi o barulho da faca caindo ao chão. E ele me segurou pela gola da camisa e então a minha visão voltou a ter foco.
                - Não acreditei quando me disseram que você parecia comigo. A voz dele era muito familiar.
                - mas quem diabo é você? Eu ainda estava tonto e o sangue corria em meu rosto.
                - isso não importa agora. A voz dele era idêntica a minha.
                - como não importa?! Você invadiu minha casa, cortou o meu rosto e... e,Você é idêntico a mim ou a cotovelada foi bem mais forte do que pareceu?!
                - já me falaram isso...
                -quem te falou isso?
                - um amigo meu, quando perguntei sobre você...
                -de onde você me conhece?
                - isso não importa agora, o importante é... eu sei que você precisa de dinheiro e tenho uma proposta para lhe fazer.
- se importa de propor enquanto eu faço meu curativo? Acho que já perdi sangue demais.
                - tudo bem. Caminhei até o banheiro, minha camisa estava em sua maioria manchada de vermelho, tirei a camisa lavei o rosto e coloquei alguns curativos na testa.
                - continue... quero ouvir essa proposta que pode me salvar financeiramente.
                - bom... antes de chegar na sua casa, eu assaltei uma casa... mas o serviço não ficou completo, o dono da casa me desarmou, não consegui mata-lo e agora eu preciso voltar lá e finalizar o serviço, antes que o chefe me mate pelo meu erro.
                - HAHAHA, você quer ir agora ou pode ser amanhã?
                -tem que ser hoje, amanhã é tarde demais...
                - eu estava sendo irônico, não farei nada disso...
                - tem algo para beber nesse armário aqui?
                - tem uma garrafa de vinho, eu acho... você me ouviu? Não vou poder te ajudar, desculpa.
                - precisava de um copo de vinho... eu acho melhor você me ajudar..
                - mas por quê? Olha... eu nem sei seu nome, de onde veio e porque se parece tanto comigo. Naquele momento eu já estava convencido que ele era idêntico a mim, talvez com algumas cicatrizes a mais no rosto.
                - eu me chamo Miguel. Enfim, quero que saiba que eu não tinha outra saída... eu uso seus documentos na hora dos meus ‘serviços’, e na confusão meus... Quer dizer, os seus documentos caíram e estão em algum lugar daquela casa, por isso temos que ir até lá..
                - você ficou maluco? Você pode ter acabado com minha vida...
                - Que vida que você tem aqui João? Uma merda de casa, nada na geladeira, fedendo a ontem, você tem emprego? Você tem alguma esperança?
                - vá à merda Miguel! Eu estava morrendo de raiva, mas ele estava certo. Dinheiro era pouco, vivia sem esperança de melhoras, vivia enforcado por uma preguiça constante e o desgosto da vida era enorme.
                - então como faremos?
                - precisamos de uma arma...
                - eu não... quer dizer tenho uma aqui guardada há muito tempo. Peguei o revolver que estava escondido em baixo do sofá, dentro de um buraco que fiz, havia mais alguma munição e entreguei pra ele.
                - essa serve, eu fico com a arma e você leva a sua querida faca. Me fiz de compreendido e o segui. Na rua seguinte ele roubou um carro, uma caminhonete não tão nova, mas veloz o suficiente para entrar e sair da cena de um crime sem ser preso. Chegamos em uma casa bonita, a duas de uma praia suja, mas com a vista bonita o suficiente para valorizar a casa e torna-la cara, não chegava a ser uma mansão, mas era milhões de vezes melhor que o barraco aonde eu vivia. Ele parou o carro, apagou os faróis e ficamos ali observando a casa, havia certo movimento e algumas sombras passando pela janela iluminada da sala. Quando os números de sombras diminuíram, ele abriu a porta e me mandou acompanha-lo.
                - Você tem algum plano? Eu suava absurdamente.
                - só me siga e me obedeça. Parecia a coisa certa a ser feita. Ele foi caminhando devagar pela lateral da casa, procurando uma janela aberta, eu ia logo atrás segurando a faca de cozinha, sabendo que ia dar merda. Até que ele parou e segurou a arma, abriu a janela e mandou entrar logo em seguida. Não demorou muito para nos descobrirem. Havia uma mulher, loira bem vestida combinava com a casa, ela gritou assim que nos viu.
                -SEGURE ELA! Ele mirou a arma na cabeça da mulher e ela trocou os gritos por lágrimas e pedidos de misericórdia.
                - calma, não precisa mata-la eu seguro ela. Agarrei o braço da mulher.
                - ponha a faca no pescoço dela, seu idiota! Ele parecia estar muito nervoso. Logo em seguida apareceu um homem, com a barba bem tratada, cabelo baixo, aparentava ser bem sucedido, mesmo depois da primeira tentativa de assalto. Ele era grande e portava uma arma, provavelmente a que era do Miguel.
                - largue ela... Como assim?! Há dois de você agora?
                - SOLTA A ARMA E PASSE O DINHEIRO QUE EU JÁ HAVIA PEDIDO, E SE TENTAR ALGO DE NOVO EU JURO QUE SUA MULHER PERDE A CABEÇA E VOCÊ NUNCA MAIS PODERÁ TER FILHOS.
                - tudo bem, mas não a machuque. Ele largou a arma e pegou o dinheiro no cofre escondido atrás de um quadro estranho, que misturava sorriso e seios femininos. E mulher não parou de chorar um só segundo desde que virou refém, meu coração revezava entre os sentimentos de culpa e satisfação, sim, toda aquela situação havia me deixado feliz. Feliz por fugir de toda rotina, de encontrar uma adrenalina enorme em uma situação tão ruim.
                - Aqui está seu dinheiro, agora largue ela.
                - tudo bem eu...
                - não ninguém vai largar ninguém! O Miguel me interrompeu e em seus olhos havia uma raiva quase contagiosa.
                - o que você quer dizer? O homem parecia está sem muita paciência e perdendo o medo da arma que estava apontada pra sua cara.
                - você me humilhou mais cedo, agora quero que tire a roupa e depois ficará me olhando enquanto fico com sua linda mulher.
                - O QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO MIGUEL? JÁ TEMOS O DINHEIRO VAMOS EMBORA...
                - NÃO SE META, ESSE BABACA BATEU EM QUEM NÃO DEVIA. E foi nesse exato momento de distração, que o homem contragolpeou e conseguiu desarmar o Miguel, a arma rolou para o lado e os dois ficaram trocando socos no chão, a mulher não parava de gritar e meu coração batia tão forte e aceleradamente, que eu juro que eu só podia ouvi-lo e nada mais.
                -João, mate-a!
                - mas eu não posso fazer isso. Por um momento, o homem hesitou e olhou para mim.
                - largue ele! ou eu a mato... Tentei parecer convincente 
                - a quem você quer enganar? Você não teria coragem...
                - você vai pagar pra ver? Ele apertou ainda mais o pescoço do Miguel. Você sabe quem eu sou?
                - só mais um babaca, perdedor, um imbec... Ele não conseguiu terminar de falar, deve ser difícil terminar de completar um raciocínio vendo sua mulher com um pescoço pela metade.
                - agora se você não quiser acompanhar a sua querida esposa, você vai soltar o Miguel pôr as mãos na cabeça e ficar sentado ai.
                - hahaha, mandou muito bem João, mas pode deixar esse comigo. Miguel pegou a arma e se preparou.
                - Eu salvei sua vida Miguel eu mereço esse presente, me deixa experimentar o poder de uma arma.
                - Hoje a noite é sua, João! Tome, mate esse otário. Não hesitei e dei dois tiros um no peito e o outro não tenho certeza se acertei.
                - hahaha, isso é realmente melhor do que ficar em casa morrendo aos poucos.
                -eu sei, agora me dê essa arma e vamos embora daqui.
                - tenho uma ideia melhor Miguel, você vai procurar meus documentos agora...
                - Calma ai amigo eles estão aqui.
                - eles estavam no seu bolso o tempo inteiro??
                - Desculpa João, mas não sabia como te convencer a isso, fiz o que foi preciso.
                - vá a merda seu... cadê minha parte do dinheiro?
                - aqui, toma...
                - 500 reias, você está de brincadeira? quer saber?? Quero todo o dinheiro! Vamos pode passar...
                - Você está ficando maluco? Se acalme João..
                - Você vai passar o dinheiro ou vou precisar dar dois tiros em você?
                - aqui tome esse dinheiro... você é um idiota João, eu que te chamei pra isso, você não devia fazer isso comigo. O celular do Miguel começou a tocar.
                - Me passe seu celular.
                - mas qual a necessidade disso?
                -só me passe o celular. Atendi o celular dele.
               
-Miguel, é o chefe... já resolveu o problema?
                - sim senhor, o problema foi resolvido
                - Mas que merda Miguel, eu quero que você melhore nisso, sabe o quanto gosto de você, mas pare de fazer merda.
                - Pode deixar chefe, sinto que melhorei bastante, serei um novo cara. Um trabalhador mais dedicado...
                - HAHAHA vai dormir e amanhã traga minha parte.
                - Que merda é essa João?
                - Eu não sou o João, me chame de Miguel. Logo depois atirei e só parei quando as balas acabaram, troquei nossos documentos e fui para o carro, sai com o carro e fui para um hotel barato, a minha vida havia mudado por completo e com certeza pra pior, mas eu me sentia melhor, bem melhor. Me deitei na cama e fiquei ali olhando para o teto pensando em tudo que havia acontecido.
                - senhor Miguel, é o serviço de quarto.
                - Um minuto eu já vou...            
- droga, eu odeio esse nome.
               

               

2 comentários:

  1. otimo texto. Gostaria de saber o que passa na sua cabeça para escrever algo tão forte?

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    1. esse texto na verdade foi inspirado no dia que eu realmente, pensei que tinha visto uma cópia minha... e imaginei uma história. Ai deu nisso. Não tem um porque, ou pelo menos eu não conheço um porque...

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