segunda-feira, 9 de julho de 2012

1. Minha, às de espadas


1. Minha, às de espadas

Estávamos sentados a dois lugares de distâncias, ela bebia sozinha e já estava na sua quarta garrafa de cerveja e de hora em hora lia algo no celular e sorria. Um sorriso tímido e vermelho, onde o canto da boca tentava prender toda felicidade. Não parecia ser costumeiro qualquer sorriso bobo. Ela usava uma calça preta, um colete jeans, uma blusa de uma banda antiga, e botas. Tinha algo nas botas, pareciam ter saído de algum filme de terror, onde uma mulher com seus segredos desfila seu melhor sorriso após matar alguém e o diretor dá um close enquanto ela acende um cigarro e pisa na poça d’água, rasa o suficiente para não molhar seus pés e na medida exata para mostrar o quanto estava sombria, a noite em questão. Estava esperando um empresário chegar. Ele estava interessado em patrocinar e financiar um livro que eu estava escrevendo. Um livro que por sinal não sabia como terminar. Na verdade não gostava muito do começo do livro, nem dos personagens que estavam envolvidos no romance. Eu não gostava do meu próprio livro, era um clichê. Faltava algo. Acho que era vergonha na cara.
        - Você é o Arthur? Sentou ao meu lado um senhor com um terno bem desenhado, com o cabelo um pouco comprido e grisalho jogado pra trás, a barba por fazer. Cheirava, de longe, a charuto e passava uma imagem de respeito.
        - prazer, e o senhor é o Antonio certo?
        - Com certeza sou. Garçom me traga um uísque e um..? Ele olhou para mim.
        - dois, por favor.
        - então Arthur, falamos por telefone sobre o livro. Conte-me mais sobre o romance.
        - aqui senhores... O garçom nos interrompeu.
        - beba primeiro Antonio.
        - um brinde ao livro...
        - que tal... um brinde a um novo prazo.
        - não entendi, HAHAHA. Ele deu uma gargalhada seca, mesmo após um gole.
        - o livro está uma merda, clichê. Não quero um livro assim na minha carreira. Olhei para trás dele, e lá estava ela rindo da minha situação. Me desconcentrei por alguns segundos
        - Arthur, gostamos de você. Já lançamos dois livros seus e os dois foram ótimos nas vendas. Faça algo, você tem uma semana. Me ligue quando acabar.
        - obrigado. Terminei o meu copo. Ele estendeu a mão com um sorriso no rosto.
        - sei que você consegue.
        Ele se virou e foi embora, sem deixar nenhum centavo. Pedi mais um copo e me lembrei da mulher de botas que ria da minha situação, ela ainda continuava sozinha e o número de garrafas consumidas havia aumentado. Me sentei ao lado dela. Ela olhou para mim e sorriu.
        - então você acha engraçado quando alguém se dá mal..
        - eu sei quem é você, li um dos seus romances.
        - e..?
        - romances são clichês. O seu também era, com algo de novo e tudo mais, mas mesmo assim clichê.
        - prazer, me chamo Arthur.
        - eu sei... Me chamo Julie. Ela olhou nos meus olhos e sorriu, então reparei nos olhos castanhos e em toda profundidade. O sorriso continuava tímido, mas pude ver o quão era convidativo.
        - entendo sua generalização do romance, mas eu acho que é culpa dos sonhos de todos. Todo mundo precisa de um amor clichê.
        - errado de novo, não preciso de um clichê. Tem como viver algo diferente e ainda amar. amor não é tudo que eu preciso. Ela pediu a conta após acabar com mais um copo.
        - você quer dar uma volta?
        - eu escolho o lugar.
        Pagamos as contas e fomos caminhando. Havia acabado de chover, as calçadas brilhavam refletindo as luzes e em meus ouvidos se destacava o andar dela. As botas. As lindas botas de vilã. Não estava tarde, deviam ser umas oito horas da noite e ela queria assistir a um jogo de futebol. Era do time rival, mas não me importava e sinceramente não queria perder a companhia dela. Por sorte um amigo meu, estava me devendo um favor e consegui dois ingressos para a partida.
        - vamos, ache dois lugares ao lado de um velho.
        - mas porque isso?
        - tenho minhas supertições.
        Com certa dificuldade conseguimos os dois lugares. E tivemos sorte porque o ‘velho’ era engraçado, e rimos bastante com ele. Infelizmente, para ela, o time perdeu de virada para um time bem mais fraco. E a minha infelicidade foi saber que nunca mais ela iria querer a minha companhia para ver um jogo do time dela.
        - lamento pelo seu time.
        - você mente mal sabia? Ela sorriu.
        - aonde você esteve todo esse tempo?
        - aqui. Vocês nunca procuram no lugar certo.
        Naquele momento eu ia pedir um beijo, mas preferi só beijar. Depois a maior dificuldade foi deixar de beija-la. Não havia amor, mas transbordava paixão. Era como repousar em uma nuvem. Pegamos um taxi e ela sugeriu que fossemos a uma casa de shows, haveria algumas bandas de rock e uns covers bem legais, segundo ela. Ela era realmente diferente, gostava de futebol, ouvia rock. Não estou falando de um rock Oasis e sim algo como AC/DC e Guns, enfim rock de verdade. Ela não media as palavras, ela só falava. e percebia que cada vez que conquistava um pouco mais de intimidade e de confiança, ela se abria mais e ignorava ainda mais o pudor das palavras, me sentia um amigo. Um amigo apaixonado. Quando chegamos no lugar, havia um bar que ia de um canto ao outro, duas portas ao lado indicando ser o banheiro, e outra somente para pessoas autorizadas, de frente para o bar, estava o palco. Não muito grande, mas bem equipado. O lugar não estava lotado. Havia um bom número de gente e não havia somente roqueiros tatuados e mal encarados. Havia gente curtindo o happy hour de blusa social por dentro da cara e com o rosto seguindo os solos de guitarras, alguns adolescentes admirando o verdadeiro rock. O que me deu um pouco de esperança. Conseguimos dois lugares no bar e dividimos uma cerveja.
        - Nós somos os “Iron Fist” e vamos tocar a última música do show “Ace of Spades”
        - Eu amo essa música. Ela se virou para o palco.
        - Motorhead é bom! Concordei com ela.
        - você não tem cara de curtir bandas assim.
        - não são as minhas preferidas.
                You win some, lose some, it's all the same to me, The pleasure is to play, makes no difference what you say…”
- Está gostando daqui?
- é assim que conquista a todos?
- não entendi.
- você é diferente Julie, seu jeito, seu sorriso. Você...
- isso é ruim?
- não, isso é tudo que eu precisava...
- você precisa viver mais Arthur. Viver sem esperar um amor. Só... viva.
The Ace of Spades... The Ace of Spades..”
                Depois de mais um tempo, conversando, bebendo e se beijando chamamos um taxi e fomos até a casa dela. E por fim eu estava nas nuvens. Era repleto. Era único. Não dormimos. Nos conhecemos, conversamos, entregamos. Ela me falou sobre alguns amores e suas cicatrizes, falou sobre sonhos e pesadelos. Falou sobre ser e desejos. Falou do que precisava e do que restou ter. e com todas imperfeições e frustrações presentes em quase tomo mundo. Ela se tornava ainda mais apaixonante, sei que ao era perfeita. Mas qual palavra definiria. Isso eu não sei. Trocamos telefones e emails e mantivemos contatos, nos encontramos algumas vezes, mas ela teve que viajar. Havia conseguido um trabalho em outro estado.
                - Arthur aqui é o Antonio, e ai conseguiu a história?
                - Sim, em um mês acho que já estaremos vendendo.
                - sabia que podia confiar em você Arthur
                - não, você não sabia...
                - como assim?
                - nada, deixa. Nos encontramos hoje para resolver isso tudo?
                - oito horas no restaurante de sempre.
                Um mês se passou, e a festa de lançamento do livro estava marcada. A editora adorou a ideia e a forma como abordei o amor. Os personagens. Enfim tinha conseguido fugir doo meu drama clichê. Tudo por causa de uma noite diferente. Da moça diferente.
                - seu nome?
                - Lívia
                - aqui está Lívia, “Com amor Arthur”...
                - obrigado e parabéns
 - Ainda nisso de amor? Ela surgiu atrás de mim, falando bem próximo dos meus ouvidos. E só Deus sabia o quanto de saudade eu estava sentido.
- talvez seja tudo que eu precise.
- tudo que você precisa é de um “Ás de espada.” Ela puxou uma carta do bolso e me deu.
- olha... Um às de espadas com um coração desenhado atrás... Você sendo romantica?, aconteceu alguma coisa?
- você vem? Ela tentou ignorar minha pergunta, mas o rosto corado não a deixou esconder a vergonha.
- é claro.
Sim, eu larguei a festa, a fila de autografo, a editora e fui com ela.

“I see it in your eyes, take one look and die
The only thing you see, you know it's gonna be
The Ace of Spades” Motorhead



            - "Moça do ás de espadas"...
            - Gostou do nome?
            - não
            - te odeio.
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7 comentários:

  1. Esse também não deixou de ser clichê, mas foi o melhor até agora.

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  2. Parabéns.Inspirada em seus textos comecei " Férias de Inverno", estou aprendendo. Nada comparado a Ana e Tomas.mas estou gostando.Acho que assim,voce inspira,eu escrevo.O mundo lê. Nós gostamos. Espero que voce um dia leia e goste.Ou não!

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    1. Fico feliz por isso, e agradeço. Sim eu vou querer ler :)

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  3. http://valentinarandom.blogspot.com.br/ Ai ó :D Obrigada

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  4. Venho 'vez em quando' ler suas linhas. É um realismo que me agrada. Tem influência de Bukowski?

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